As dores de Maria e das Marias

Maria é a protagonista deste Sábado Santo e a Virgem do Silêncio é aqui retratada pelo Pe. Gianfranco Graziola com todas as suas dores, que são também as dores de tantas Marias mundo afora.

Pe. Gianfranco Graziola

1ª Ela será mãe um fora da lei… (Lc 2,34-35)

Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: —Este menino foi escolhido por Deus tanto para a destruição como para a salvação de muita gente em Israel. Ele vai ser um sinal de Deus; muitas pessoas falarão contra ele, e assim os pensamentos secretos delas serão conhecidos. E a tristeza, como uma espada afiada, cortará o seu coração, Maria.

Quantas mulheres, quantas mães ainda hoje ouvem dizer que seu filho é alguém que é fora da lei, que é um perigo para a sociedade, que não merece ser considerado como gente. Entretanto nossa sociedade, nossas comunidades não conseguem enxergar nele o semblante de um Deus rejeitado pela própria humanidade, descartado, reduzido a mercadoria, a peça de um sistema que exclui e mata. Também não conseguimos ouvir o grito da Mãe Terra, expressão do grito de tantas mulheres e mães,  ferida pelo descaso e a indiferença que corta seu coração e mata a vida.

Senhor, não deixei que nossos olhos, nossos ouvidos, nossos corações fiquem fechados diante de tantos irmãos e tantas irmãs caídas, esquecidas, jogadas nos submundos de nosso sistema econômico, consumista, que exclui e descarta. Fazei que possamos a exemplo de Jesus na sinagoga dizer-lhes: “Levanta-te! Coloca-te no centro”. Vós que sois Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém.

2ª Ela é a Mãe de um foragido (Mt 2, 13-21)

“Um anjo do Senhor apareceu num sonho a José e disse: —Levante-se, pegue a criança e a sua mãe e fuja para o Egito. Fiquem lá até eu avisar, pois Herodes está procurando a criança para matá-la”.

Fugir de um sistema que tortura, que faz adoecer, que tira dos afetos e do aconchego do lar e que a todo o momento coloca em risco a própria vida é profundamente humano e logico, porque animado por um espirito inato de sobrevivência que está no DNA de todo o ser vivo. No entanto quem foge dessa máquina de morte de um sistema iniquo é condenado duas vezes, e com ele quem mais sofre o estigma da condenação é a Mãe, a mulher, contraditoriamente àquela que gera vida. Ela própria é muitas vezes considerada e enxergada como alguém foragida por uma sociedade patriarcal e machista.

Senhor, ouvi o grito de dor de tantas mulheres e mães que bradam pela vida de seus filhos e filhas, condenadas à invisibilidade, à segregação, aos porões de um mundo sem piedade e compaixão. Fazei que como Jesus possamos dizer: “Nem eu te condeno, vai em paz e não voltes a pecar”. Vós que sois Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém.

3ª Ela é a Mãe de um Filho sonhador (Lucas 2, 41-51)

Quando os pais viram o menino, também ficaram admirados. E a sua mãe lhe disse: —Meu filho, por que foi que você fez isso conosco? O seu pai e eu estávamos muito aflitos procurando você. Jesus respondeu: —Por que vocês estavam me procurando? Não sabiam que eu devia estar na casa do meu Pai? Mas eles não entenderam o que ele disse.

Nada demais para uma mãe sonhar o melhor para seu filho. Os sonhos e as expectativas começam já quando ele é concebido, é gestado, é dado à luz. Quantos sonhos naqueles momentos em que o carrega no colo, lhe dá aconchego, afeto, o amamenta, e o acompanha nas diferentes etapas da vida. Nada pode impedir que estes sonhos das formas mais diversas se tornem realidade. A mãe dos filhos de Zebedeu foi até Jesus pedir que ele realizasse os sonhos de seus filhos. O que não faz uma mãe para seus filhos! Mas como é difícil por uma mãe entender quando o filho tem um sonho diferente. Quanto sonhou vida plena para seu filho, para sua filha.

O Senhor, tu consolaste as mulheres de Jerusalém, continua consolando as mães de nosso tempo, não deixe que sua força feminina, sua esperança, seu amor pela vida se enfraqueçam.  E mesmo quando lhe é difícil entender o caminho de seus filhos, socorre-as com tua sabedoria e alimenta-as com a luz do teu Espírito para que por ele acalentadas possam continuar a ser o sopro materno do Deus criador e amante da vida. Vós que sois Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém.

4ª Ela é a Mãe de um filho servo (Fl 2, 1-11)

Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar que Cristo Jesus tinha: Ele tinha a natureza de Deus, mas não tentou ficar igual a Deus. Pelo contrário, ele abriu mão de tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi humilde e obedeceu a Deus até a morte—morte de cruz. Por isso Deus deu a Jesus a mais alta honra e pôs nele o nome que é o mais importante de todos os nomes, para que, em homenagem ao nome de Jesus, todas as criaturas no céu, na terra e no mundo dos mortos, caiam de joelhos e declarem abertamente que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus, o Pai.

Quantas mães esperavam do filho um futuro brilhante, uma carreira rápida, competitiva e arrasadora que faça dele alguém bem-sucedido na vida. Nem sempre esse futuro se concretiza, ao contrário, ele parece remar exatamente ao contrário do que se tinha pensado e imaginado, e em lugar do sucesso, das luzes do holofotes chega a escuridão das masmorras, dos porões, dos subterrâneos que transformam corpos em fantasmas e sonhos em pesadelos. Maria talvez soubesse idealmente o que era o projeto de vida que esperava seu filho, jovem da periferia, conhecedor da lei e dos preceitos religiosos, mas ao mesmo tempo rebelde e contestador de leis e preceitos que somente favoreciam os mais fortes e até a casta religiosa do templo e penalizavam e puniam os mais pobres e fragilizados.

Senhor Jesus, apesar de ser divino assumistes a condição humana fazendo-te servo humilde, amando os pequenos e os pobres, acolhendo os publicanos e as prostitutas, cuidando dos excluídos e perdoando os pecadores.  Te pedimos que,  não falte em nós o espírito de serviço que alimente a profecia e cada dia mais nos faça compreender qual é o caminho do teu Reino de vida, de justiça e de paz. Vós que sois Deus com o Pai, no Espírito Santo. Amém.

5ª Ela é a Mãe de um condenado à morte (João 19, 25-27)

Perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe:  “Mulher, este é o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.

Quantas mães ficam de pé junto dos filhos crucificados, rejeitados, descartados e mortos em nosso tempo. Quantos jovens pretos, pobres, periféricos são imolados nos tribunais de nosso país, onde a justiça é por poucos, o olhar é seletivo, discriminante, e a justiça condena a morte. Mas também em nossos templos, em nossas comunidades continuamos, apesar de ter diante de nós o crucificado, a condenar, crucificar e matar irmãos por meio de prejulgamentos, do legalismo, de moralismos. Até no cárcere continuamos cegos diante do Cristo preso e torturado e surdos aos seus gritos de dor e a sua sede de vida.

Senhor Jesus, diante do suplicio da cruz, tu nos entregas tua mãe e nela as mães cujos filhos e filhas continuam sendo executados e mortos pelo sistema violento do cárcere, pela indiferença que os confina nos subterrâneos da história e nas periferias da existência humana. Te pedimos, ajuda-nos como discípulos e discípulas a acolher todos e todas quanto se confiam a nós. Vós que sois Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém.

6ª Ela é a Mãe de muitas Marias (Mateus 27, 55-61)

Muitas mulheres estavam ali, observando de longe. Elas haviam seguido Jesus desde a Galileia, para o servir. Entre elas estavam Maria Madalena; Maria, mãe de Tiago e de José; e a mãe dos filhos de Zebedeu. Ao cair da tarde chegou um homem rico, de Arimatéia, chamado José, que se tornara discípulo de Jesus. Dirigindo-se a Pilatos, pediu o corpo de Jesus, e Pilatos ordenou que lhe fosse entregue. José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo de linho e o colocou num sepulcro novo, que ele havia mandado cavar na rocha. E, fazendo rolar uma grande pedra sobre a entrada do sepulcro, retirou-se. Maria Madalena e a outra Maria estavam assentadas ali, em frente do sepulcro.

Quantas mulheres sensibilizadas e solidarias com a dor de uma mãe que vê seu filho esfacelado e quebrado no corpo sob o peso de um madeiro, de um patíbulo reservado aos escravos, aos malfeitores, àqueles que nem como gente são mais considerados, ao ponto de quebrar-lhes os ossos para certificar sua morte, enquanto ao seu filho uma lança abre-lhe o lado de onde sai sangue e água. Como não ouvir ecoar dentro as palavras do velho Simeão que como espada transpassam agora o coração. Mas Maria, a Mãe de Jesus, mesmo na dor continua sendo a Mãe de tantas Marias que ontem como hoje ficam de pé junto aos seus filhos crucificados consolando a sua dor.

Ó Deus, Maria, acolhendo a vossa Palavra no coração sem mancha, mereceu concebê-lo no seio virginal e, ao dar à luz o Fundador, Jesus Cristo, acalentou a Igreja que nascia. Recebendo aos pés da cruz o testamento da caridade divina, assumiu todos os seres humanos como filhos e filhas, renascidos para a vida eterna, pela morte de Cristo. Concedei-nos Pai de bondade que, pela sua intercessão todas as mães possam experimentar a consolação que vem do vosso Filho Jesus que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Amém.

7ª Ela é a Mãe do silêncio do sábado (Lucas 23, 55-56)

As mulheres que haviam acompanhado Jesus desde a Galileia, seguiram José e viram o sepulcro e como o corpo de Jesus fora colocado nele. Em seguida, foram para casa e prepararam perfumes e especiarias aromáticas. E descansaram no sábado, em obediência ao mandamento.

Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos…

Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado. 

Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente as tuas mãos para a árvore do paraíso. 

Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti. 

Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade”. [Antiga Homilia do Sábado Santo, séc. IV]