A realeza de Cristo

Solenidade de Cristo Rei do Universo

Estamos concluindo o ano litúrgico com a celebração da Solenidade de Cristo Rei do Universo. Talvez falar de realeza soe estranho aos nossos ouvidos. Vive-se uma época em que se exalta a liberdade, onde a liberdade se tornou o grande valor da vida humana.

O que mais causa indignação ao ser humano são as formas de autoritarismo que minam de forma sutil a liberdade humana, agridem a dignidade humana e desfiguram o exercício do poder. Não existe sociedade sem o exercício do poder. O poder, quando bem exercido, dignifica a vida das pessoas e torna-se um grande instrumento na edificação do bem comum e na construção da paz social. O verdadeiro sentido do poder é ser serviço.

A realeza de Cristo manifesta o verdadeiro sentido do poder-serviço, pois é diante do poder Romano na Palestina, com Pilatos, e depois na cruz que sua realeza é afirmada. À pergunta de Pilatos: “Então tu és rei?” (Jo 18, 37), Jesus responde: “Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isso: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18, 37).  A resposta de Jesus mostra a origem do seu poder, pois o advérbio grego usado, enteuthen, indica a origem e, então, a natureza da sua realeza. Jesus nega ser “aquele determinado rei”, submetido aos jogos do poder humano (M. Grilli, In Ascolto della Voce, 262).

A realeza de Cristo provém do Pai, que, em confronto com o poder dos grandes deste mundo, é morto, tornando-se o Rei crucificado, humilhado, pois a sua realeza é a do amor. Aqui se manifesta a oposição entre o poder do amor e o poder autoritário; entre verdade e poder. A humilhação de Cristo manifesta a força de Deus, a força do amor que se submete, mas a sua própria morte é protesto calado e subversivo, pois é a morte do inocente que não se submete à lógica e às tramas do poder humano. É a morte do Rei livre, que, entre as tramas humanas e a vontade do Pai, vive até o extremo a vontade do Pai.

Ao contrário, o poder do mundo, quando mal exercido, quando perde o seu verdadeiro sentido de serviço à verdade e ao ser humano, mata, humilha, desfigura o humano, a natureza e a sociedade. O poder, quando assim exercido, é deturpação do poder.

Jesus mostra a ligação profunda entre a sua realeza e a verdade. A verdade, para o Evangelho de São João, é o plano de salvação de Deus. Jesus é a Verdade. Quem olha para Jesus, para os seus ensinamentos, procura a verdade, busca a verdade. Mas as palavras de Jesus denunciam, também, a desvinculação entre poder e verdade. O poder, quando desvinculado da verdade, da realidade da vida do povo, torna-se poder autoritário, alienante.

Hoje, na sociedade da narrativa, não se pode perder o sentido da verdade. A verdade nos coloca diante da realidade. “A realidade”, nas palavras de Papa Francisco, “é superior à ideia”. Sem verdade, perde-se a realidade e perde-se a dimensão do sonho de Deus para a humanidade. Que a realeza de Cristo torne-se critério, torne-se, assim, profecia para julgar o exercício do poder seja na Igreja, seja na sociedade.