Neste nosso caminho de peregrinos, nesta quaresma, deparamo-nos com a experiência forte e fundante que Abrão faz de Deus e que os discípulos fazem de Jesus no monte. Na primeira leitura, Deus faz aliança com Abrão e renova a promessa da descendência e da terra. Deus conduziu Abrão para fora e disse: “Ergue os olhos para o céu e conta as estrelas, se as pode contar, e acrescentou: Assim será a tua posteridade. Abrão creu em Iahweh, e lhe foi tido em conta de justiça” (v. 5-6). Sair é um movimento do fechado para o aberto. “Agora está encerrado na sua tenda, nos problemas domésticos da herança; há de sair, para olhar a grande tenda celeste e nela os inumeráveis exércitos do Senhor; dos cálculos pequenos ao incalculável que Deus fez e controla. Em suas entranhas algo está encerrado, a descendência que há de sair para multiplicar-se. Também eles um dia terão de repetir o movimento de saída: da escravidão para a posse da terra. Assim Abrão terá sua herança; entrando ele na morte — como entra, o sol se põe —, os que dele saem também terão a própria herança” (Bíblia do Peregrino, comentário a Gênesis, 15).
Deus se revela a Abrão como aquele que está na origem da sua migração, da sua história: “Eu sou Iahweh que te fez sair de Ur dos Caldeus, para te dar esta terra como propriedade” (v. 7). Abrão objeta: “Meu Senhor Iahweh, como saberei que hei de possuí-la?”. Quando Deus o manda sair de Ur, Abrão prontamente obedece; aqui, ele objeta. Deus agora celebra uma aliança com Abrão, se comprometendo com o velho patriarca. Abraão, hoje, é você, sou eu, que buscamos viver da fé, saindo da nossa pequena tenda e contemplando os horizontes de Deus, esperando no amor de Deus.
No Evangelho, Jesus está rezando numa montanha e se transfigura diante dos discípulos. Na transfiguração se manifesta o mistério mais profundo de Jesus, ele se revela na sua divindade: o rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. Moisés e Elias, que conversam com Jesus, significam as Escrituras, o Antigo Testamento que se cumpre em Jesus. Ele é o centro das Escrituras. O texto diz que conversavam sobre a morte que Jesus iria sofrer em Jerusalém. Quer dizer, a morte de Jesus que está no projeto de Deus. São Paulo, na segunda leitura, exorta os Filipenses a não se comportarem como inimigos da cruz de Cristo (Fl 3,18). A cruz está no centro do mistério da salvação.
É preciso contemplá-la e vivê-la assumindo os sofrimentos por amor a Cristo, contemplando a sua cruz, pois Cristo, assumindo a paixão, chegou à glória da ressurreição. O discípulo de Jesus Cristo, vivendo por amor os sofrimentos da vida por fidelidade a Jesus Cristo e ao seu Evangelho, chegará à vida eterna. A cena termina com o Pai revelando quem é Jesus: da nuvem, porém, saiu uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o Escolhido, Escutai o que ele diz” (Lc 9, 35). Jesus é o seu Filho Escolhido. Que as experiências fortes com o mistério de Cristo alimentem e sustentem a nossa caminhada de peregrinos. Busquemos contemplá-lo nos Evangelhos, na liturgia, na oração e nos irmãos sofredores.
Cardeal Paulo Cezar Costa
Arcebispo de Brasília