Há textos da Palavra de Deus que talvez desconsertem a nossa forma de pensar e nos façam refletir. O profeta Jeremias (Jr 17, 5-8) já nos desconserta proclamando: «maldito o homem que confia no homem». Vivemos numa sociedade onde a segurança no homem e nas suas potencialidades é enorme, onde o homem edifica, transforma o mundo, na qual as possibilidades da ciência são grandes e é impossível viver sem confiar no ser humano e em suas capacidades. Mas é algo bem mais profundo que o profeta quer nos dizer.
O verbo hebraico batah exprime a ideia de segurança, confiança plena, abandono absoluto. É daqui que se necessita partir para entender o «maldito o homem que confia no homem». Não se trata de desprezo pelo ser humano, mas de uma percepção fundamental: o homem não é Deus e as suas construções são cheias de fragilidades, pois só Deus pode dar estabilidade absoluta. O profeta tem diante de si a situação de Israel, vivendo um momento histórico que se apoia nos potentes. O texto bíblico dirige-se ao homem que se desfaz de Deus sem dar-se conta da sua fragilidade, do ser adamah, argila, frágil. O texto não quer contrapor Deus e o homem, pois não há vida sem confiança no outro, nas capacidades do homem. (M. Grilli, Sulla via dell`Incontro, Anno C, 137-138). Jeremias quer nos ajudar a fazer de Deus a escolha radical e última da nossa vida.
O Evangelho nos apresenta o texto do discurso da planície (Lc 6, 17. 20-26). É assim chamado porque Jesus desce da montanha e ali estavam muitos dos Seus discípulos e uma grande convergência de pessoas: grande multidão de gente de toda a Judéia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia. É a multidão que vem até Jesus para ser ensinada, curada. Jesus levanta os olhos para os Seus discípulos e lhes ensina as bem-aventuranças: bem-aventurados os pobres, os que têm fome, os que choram. Jesus se dirige aos seus ouvintes concretos que estão ali diante dEle que são pobres, têm fome e choram. Gente que sente o peso da vida e está ali diante de Jesus. Jesus os proclama bem-aventurados, pois dos pobres é o Reino de Deus. Os que têm fome serão saciados, os que choram haverão de rir. Os pobres se distinguem pois são aqueles que não têm grande riqueza e fazem de Deus o tudo da vida. Não colocam a confiança no homem, mas no Senhor.
Nas demais bem-aventuranças, os verbos estão no futuro, o que significa que Deus um dia será a recompensa. E continua: bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome por causa do Filho do Homem. Essa bem-aventurança exprime a situação dos cristãos que são perseguidos por causa de Jesus Cristo e do Evangelho. Os «ais» são o oposto das bem-aventuranças, quer dizer, são advertências para aqueles que colocam a sua confiança no homem e neste mundo.
São Paulo complementa a reflexão (1Cor 15, 12. 16-20) mostrando que a nossa esperança está em Cristo morto e ressuscitado, pois a nossa ressurreição se fundamenta na Dele. Por isso podemos, na nossa indigência, esperar no Senhor, colocar nEle a nossa grande esperança.