Homilia do Cardeal Paulo Cezar Costa na Solenidade de Corpus Christi

Estamos reunidos em torno da Eucaristia. Estamos aqui, nesta esplanada manifestando nossa fé na Eucaristia. Demos como tema este ano: "Daí-lhes vós mesmos de comer". Este tema coloca-se no contexto da multiplicação dos pães, onde Jesus provoca os discípulos a dar de comer as multidões. A provocação não deve ser vista como uma falta de realismo de Jesus.

Para os apóstolos, o pouco que possuem não basta, mas para Jesus ao invés, o pouco basta a quem crê na onipotência de Deus e na força do amor. O homem tem sempre pouco nas suas mãos, se colocado em relação com as necessidades do mundo: pouco dinheiro, pouca esperança, pouca coragem, pouca criatividade, poucos meios, mas bastam quando são fecundados pela potência da fé e do desejo de condividir. Quando nossas atitudes são meramente humanas, correm o risco de se tornarem infrutíferas. Mas quando são colocadas no horizonte de Deus, adquirem nova dimensão.
Na primeira Leitura da missa, tirada do capitulo oitavo do Deuteronômio, tem-se “um mandamento para tempo de bem estar, para um tempo de fartura”. O povo já está estabelecido na terra é chamado à memória, a recordação dos caminhos do deserto e daquilo que o Senhor fez com ele e por ele: “Ele te humilhou, fazendo-te passar fome e alimentando-te com maná que nem tu nem teus pais conhecíeis, para te mostrar que nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Numa sociedade da auto-suficiências, o risco que a fé atravessa é grande: o orgulho da técnica, a autonomia humana, a independência econômica contem o grande valor do progresso, mas carregam, também, o perigo do esquecimento de Deus, da auto-suficiência. O recordar-se torna-se sinônimo de crer, de empenhar-se na renovação da Aliança com Deus. A memória bíblica introduz novamente o fiel na dinâmica da história da salvação ritualizando no hoje, os eventos do passado. Aqui está a força da memória que fazemos em cada eucaristia. A memória não é um simples recordar, é reviver o fato da história da salvação no hoje da história de uma forma ritual. Deuteronomio nos convida a voltarmos à essencialidade do deserto onde o homem experimentava a sua total dependência de Deus. Significa buscar construir a vida e a existência sobre a realidade que não perece, Deus, a sua Palavra.

A tentação da nossa auto-suficiencia, de vivermos voltados para nós mesmos, Cristo nos oferece um alimento diverso: o Pão da Vida. “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente”. Eu sou é uma expressão muito forte no Evangelho de São João. Significa que Jesus é este bem messiânico. Os “Eu sou” colocam Jesus também do lado daquilo que é dado, se Jesus dá, é porque ele próprio é dado, ele é o dom’. Jesus é o pão da vida, come-lo significa assimilar a pessoa de Jesus, entrar por Ele na totalidade do mistério de Deus. Jesus nos mostra é pão da vida. Vida é aquilo de mais precioso que temos. É Jesus que vem ao encontro da nossa vida e nos dá vida e vida eterna. A vida eterna já não é só uma possibilidade para o futuro, é já uma realidade possuída no presente, cada vez que entramos em comunhão com o corpo e o sangue de Cristo, que comemos o corpo de Cristo e bebemos o seu sangue. Jesus é duro, “se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”. A condição para ter vida é comer de Jesus.

Quem come a carne de Cristo e bebe o seu sangue permanece nele e ele na pessoa. Entre Cristo e o crente se estabelece uma imanência recíproca, que é expressa pelo verbo permanecer. Não é uma presença mágica, mas uma experiência da presença de Cristo, de comunhão com Cristo. Comunhão com Cristo que cria comunhão entre nós. Por isso, São Cipriano afirma: “A nossa comunhão com Cristo é totalmente profunda que produz a comunhão com os irmãos. Se a primeira não fosse real, não seria, também, a segunda”. São Paulo afirma que “todos nós somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão” (1Cor 10,17).