Homilia de Quinta-Feira Santa – Missa do Crisma 2024

Saúdo com alegria e afeto aos nossos amados presbíteros. Minha primeira palavra é gratidão pelo vosso grande trabalho em nossas Paróquias, em nossas comunidades e em outras instituições de nossa Igreja Arquidiocesana.

Minha saudação aos presbíteros religiosos, que doam a vida na nossa amada Arquidiocese. De coração, muito obrigado a todos. Vocês fazem a diferença na vida de nossa Igreja Arquidiocesana.

O Senhor, quando constituiu a sua Igreja, a constituiu com o ministério ordenado como dom ao seu povo. O sacerdócio ministerial como dom ao sacerdócio comum dos fiéis, numa relação de serviço e de complementariedade. O sacerdócio ministerial nos relembra sempre que não somos pelagianos, mas que recebemos tudo de Deus, que é Ele mesmo que constantemente alimenta o seu povo com a Palavra; que santifica o seu povo com a Eucaristia e com os Sacramentos, que é presença de Bom Pastor no meio do seu Povo. O Concilio Vaticano II, na Constituição Lumen Gentium, n. 20, relembra esta realidade ao afirmar que a missão confiada por Cristo aos apóstolos deverá perdurar até ao fim dos séculos (Mt 28, 20). Os apóstolos tiveram colaboradores e a estes impuseram, como que por testamento, o múnus de completar e confirmar a obra por eles iniciada, recomendando-lhes que atendessem a todo o rebanho no qual o Espírito Santo os colocará para apascentar a Igreja de Deus. “Constituíram, pois esses varões e deram-lhes depois a ordenação, afim de que, quando eles morressem, outros homens íntegros tomassem o seu ministério”. É o dom fundamental do sacerdócio ministerial que está na constituição da Igreja.

A Liturgia da Palavra que ouvimos na Primeira Leitura colocou diante de nós a vocação e a unção do profeta: “O Espírito do Senhor IAHWEH está sobre mim, porque IAHWEH me ungiu e enviou-me …”(Is 61, 1).  O Espírito de IAHWEH é Ele mesmo, por isso ele se proclama ungido pelo próprio Deus em vista de uma missão muito específica: a proclamação do ano jubilar, com a libertação dos prisioneiros, e uma profunda mudança dos destinos de Sião. É o retorno do exílio que é cantado como um grande ano jubilar, onde se põe fim à deportação e abre-se as portas para o retorno à terra prometida.

É esta experiência fundamental que o profeta tem da sua escolha, da sua experiência com Deus que o ungiu e o enviou. A partir desta experiência fundante, o profeta viverá todo o seu ministério com sofrimentos, dissabores, mas sempre numa fidelidade profunda e vinculante Àquele que o ungiu e o enviou para a missão. A missão não é uma realidade funcional, mas nasce da experiência forte do ser ungido e enviado por IAHWEH. Sem a experiência de Deus, sem a consciência do chamado, não existe vocação. A vocação não é uma realidade simplesmente funcional. Nela, o mistério de Deus está totalmente co-envolvido. Esta foi a experiência dos grandes homens e mulheres na Escritura e também a nossa experiência hoje. O Senhor chama, unge, envia. Cada um de nós pode retornar ao momento fundante da nossa vocação, onde o Senhor nos encontrou, nos chamou, nos consagrou e nos enviou. Onde estamos hoje não é simplesmente uma vontade nossa, construção nossa, mas é a resposta a um chamado de Deus.

O salmo de Meditação respondeu com beleza à leitura cantando a escolha, a unção do Rei Davi e a mão do Senhor sustentando-o. Também o grande Rei Davi tinha sido escolhido e ungido pelo profeta Natã. O Salmo canta a esperança inquebrantável em virtude da promessa e fidelidade divina. É a fidelidade de Deus que fundamenta nossa esperança, mesmo nas adversidades da vida e no contrassenso da história. Por isso, cantamos com o salmista: “Cantarei para sempre o amor de IAHWEH”.

No Evangelho, encontramos Jesus na sinagoga da sua cidade. A sinagoga era a casa da Palavra. O texto mostra que Jesus era um frequentador da sinagoga quando diz: “ … Entrou na sinagoga no sábado, segundo o seu costume”. Na sinagoga se lia e se meditava a Palavra de Deus. A palavra de Deus guiou e conduziu a vida do Povo de Deus no Antigo Testamento. Ela formou homens e mulheres livres e operantes. Jesus é a própria Palavra, mas ele não ignora a Escritura do seu povo, Jesus era um ouvinte da Palavra. A Palavra de Deus lida, meditada, rezada, quer fazer o mesmo conosco hoje. É ela que converte, que forma o nosso coração de discípulos missionários.  Por isso, o Plano Pastoral da nossa amada Arquidiocese coloca a Palavra de Deus no centro, quer que o nosso coração, a nossa família, nossa comunidade, nossa Paróquia, nossa Arquidiocese seja casa da Palavra. E neste caminho, meus amados arquidiocesanos, há ainda um longo caminho a percorrer. Uma Igreja onde o pilar da Palavra esteja no centro. Pois, como diz São Jerônimo: “Ignorar as Escrituras é Ignorar o próprio Cristo”.

Jesus, na sinagoga, proclama o profeta Isaias: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção …”. Jesus se proclama ungido. Ele, o Filho de Deus encarnado, foi ungido. Os Evangelhos sinóticos narram a unção de Jesus no Jordão, quando se submete ao rito penitencial de João Batista. O céu se abriu e o Espírito desceu sobre Jesus. Os Evangelhos mostram Jesus que é conduzido pelo Espírito. Davi foi ungido, como cantamos no Salmo, o profeta foi ungido, Jesus foi ungido pelo Espírito. A unção continua na Igreja. Todo batizado é ungido pelo Espírito. O presbítero é um homem que foi ungido. Unção de Cristo, unção do Cristão, unção do Presbítero. Com a unção os presbíteros são configurados a Jesus Cristo, cabeça e Pastor da Igreja, são instrumentos vivos de Cristo eterno sacerdote e agem em nome e pessoa do próprio Cristo. No rito da ordenação, quando nossas mãos são ungidas com o óleo do Crisma, se reza: “Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem o Pai ungiu com o Espírito Santo e revestiu de poder, te guarde para a santificação do povo fiel e para oferecer a Deus o santo sacrifício”.

O presbítero é um homem ungido com o Espírito Santo, pois a unção de Deus é o seu Espírito. São João de Jerusalém diz: “Com a mirra visível vem ungido o corpo, mas com o Santo e invisível Espírito é santificada a alma”. O Presbítero assim, é um homem ungido. Sua vida espiritual e missão provem desta unção que muda toda a sua vida. É um homem que vive da unção recebida e, ainda, é um homem onde todo o seu ministério é unção. Sua unção toma forma concreta na vida do nosso amado povo através de uma atitude de proximidade com as pessoas, na acolhida de todos, especialmente dos feridos e machucados. Aos machucados e feridos é preciso que a unção transborde através da acolhida, do acompanhamento e da integração na vida da comunidade. É um caminho exigente, que nos propõe Papa Francisco, mas se somos homens ungidos que ungimos, precisamos trilhá-lo com alegria. Somente assim, a nossa unção produzirá vida nova e salvação. A fecundidade da unção está intimamente ligada à vida espiritual do Presbítero. Sem vida espiritual intensa e sem oração, o ministério vai se tornando estéril, sem fecundidade. Se torna um ministério que não unge, sem exalação do bom odor de Cristo, Bom Pastor.

Jesus proclama o texto do profeta Isaias: “… porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”.  Em Jesus Cristo tudo é Evangelização, tudo é missão. A sua evangelização atinge o ser humano na sua totalidade. Estas diversas categorias de pessoa expressam essa realidade. O Grande Documento Evangelii Nunciandi, 6 afirma que “andar de cidade em cidade a proclamar, sobretudo aos mais pobres, e muitas vezes os mais bem dispostos para o acolher, o alegre anúncio da realização das promessas e da aliança feitas por Deus, tal é a missão para a qual Jesus declara ter sido enviado pelo Pai. E todos os aspectos do seu mistério, a começar da própria encarnação, passando pelos milagres, pela doutrina, pela convocação dos discípulos e pela escolha e envio dos doze, pela cruz, até a ressurreição e à permanência da sua presença no meio dos seus, fazem parte da sua atividade evangelizadora”. Por isso, São Paulo VI, na mesma Evangelii Nuntiandi, 14 proclama: “Nós queremos afirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja” e Papa Francisco na Evangelii Gaudium, 20 afirma que nos “ide” de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova “saída” missionária”. Há um despertar na Igreja da Evangelização como sua missão essencial. Esta foi a missão central que Jesus deu aos seus e através deles, a toda a Igreja.

A homilia de Jesus, mediante o texto proclamado foi: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabaste de ouvir”. A salvação de Deus se realiza no hoje da história. Os padres da Igreja, quando expunham os grandes eventos da História da Salvação diziam substancialmente o que disse esta homilia de Jesus: “Hoje se cumpriu esta Escritura”. Todas as páginas da Escritura anunciam o mesmo mistério e querem tocar a vida da Igreja e a nossa vida, transformá-la no hoje da história. É a força da ação de Deus que não reside num passado longínquo, pois em Jesus Cristo o tempo foi assumido no eterno presente, por isso toca a existência e a vida das pessoas santificando-as, transformando-as e dando-lhes vida nova. É o hoje da salvação da sinagoga de Nazaré que continua a tocar nossa vida, a de nossas comunidades e da nossa amada Arquidiocese. Deus não é uma peça de museu do passado, mas continua a fazer história conosco, a se dar a nós no hoje da história e o nosso ministério é memória e profecia da sua ação.

Agora, nossos amados presbíteros renovarão suas promessas sacerdotais que fizeram no dia da ordenação, onde renunciam a si mesmos e colocam o amor de Cristo no centro de suas vidas para servirem, como Cristo, o nosso amado povo. E vocês, meus amados arquidiocesanos se comprometem a rezar pelos nossos presbíteros.

Depois, abençoaremos o óleo com o qual serão ungidos os enfermos, abençoaremos também o óleo dos catecúmenos e consagraremos o Santo Crisma. Esta celebração manifesta a riqueza da Igreja, Corpo de Cristo organicamente estruturado, que se reúne ao redor do seu Bispo que, por misericórdia de Deus, sou eu. Esses óleos abençoados e o Santo Crisma consagrado serão usados na administração dos sacramentos. Quero que este gesto simbolize, meus amados padres, a nossa comunhão presbiteral. Eu os abençoo e vocês os utilizarão nas celebrações dos sacramentos, ungindo o nosso amado povo. Este gesto mostra que a nossa comunhão não se fundamenta em simpatias e antipatias, mas nas coisas santas, em Deus, que é a fonte de tudo. Amém.