Nestes três pedidos do terrível espírito a Jesus, estão sintetizadas e previstas a história da humanidade. Por isso, este texto permanece paradigmático para todo cristão no seu caminho de peregrino, pois a tentação é uma realidade na nossa vida. Papa Francisco nos faz penetrar nesta trama: «O Evangelho deste primeiro domingo de Quaresma (Lc 4, 1-13) narra a experiência das tentações de Jesus no deserto. Depois de ter jejuado por quarenta dias, Jesus é tentado três vezes pelo diabo, o qual primeiro o convida a transformar uma pedra em pão (v. 3); em seguida mostra-lhe do alto os reinos da Terra, sugerindo-lhe que pode tornar-se um messias poderoso e glorioso (vv. 5-6); e, por fim, o conduz ao ponto mais alto do templo de Jerusalém e o exorta a lançar-se para manifestar de maneira espetacular o seu poder divino (vv. 9-11). As três tentações indicam três caminhos que o mundo sempre propõe, prometendo grandes sucessos, três sendas para nos enganar: a avidez da posse — ter, ter e ter — a glória humana, e a instrumentalização de Deus. São três caminhos que nos levarão à ruína.
O primeiro, a avidez da posse. É sempre esta a lógica insidiosa do diabo. Ele começa pela natural e legítima necessidade de se nutrir, viver, realizar-se, ser feliz para nos impelir a acreditar que tudo isto é possível sem Deus, aliás, até contra Ele. Mas Jesus opõe-se dizendo: “Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’” (v. 4). Recordando o longo caminho do povo eleito através do deserto, Jesus afirma que deseja abandonar-se com plena confiança à providência do Pai, que cuida sempre dos seus filhos.
A segunda tentação: o caminho da glória humana. O diabo diz: “Se te prostrares diante de mim, tudo será teu” (v. 7). Podemos perder qualquer dignidade pessoal, deixamo-nos corromper pelos ídolos do dinheiro, do sucesso e do poder, contanto que alcancemos a nossa autoafirmação. E saboreamos a emoção de uma alegria vazia que esvanece imediatamente. E isto leva-nos até a comportarmo-nos como ‘pavões’, com vaidade. Mas tudo isto acaba. Por isso Jesus responde: “Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto” (v. 8).
E a terceira tentação: instrumentalizar Deus em próprio benefício. Ao diabo que, citando as Escrituras, o convida a pedir a Deus um milagre extraordinário, Jesus opõe de novo a firme decisão de permanecer humilde e confiante diante do Pai: “Não tentarás ao Senhor, teu Deus” (v. 12). E assim rejeita a tentação talvez mais sutil: de querer ‘puxar Deus para o nosso lado’, pedindo-lhe graças que, na realidade, servem e servirão para satisfazer o nosso orgulho.
Estes são os caminhos que se apresentam diante de nós, com a ilusão de poder obter o sucesso e a felicidade. Mas, na realidade, eles são totalmente alheios ao modo de agir de Deus: aliás, de fato, separam-nos de Deus porque são obra de Satanás. Jesus, enfrentando estas provações, vence três vezes a tentação para aderir plenamente ao projeto do Pai. E indica-nos os remédios: a vida interior, a fé em Deus, a certeza do Seu amor e de que Deus nos ama, que é Pai, e com esta certeza venceremos qualquer tentação». […] (Papa Francisco, Angelus de 10 de março de 2019)so.
Dom Paulo Cezar Costa
Arcebispo de Brasília