A liturgia de hoje tem como tema central o mistério da vocação, do chamado. Tanto a primeira leitura (Is 6,1-2.3-8) quanto o Evangelho (Lc 5,1-11) narram a experiência do chamado. Tanto Isaías quanto os apóstolos fizeram uma experiência forte do mistério, perceberam sua inadequação em razão do pecado e foram chamados.
Isaías tem uma experiência forte do mistério de Deus. A experiência é bem situada no tempo: no ano da morte do rei Ozias. Aqueles fatos que marcam e determinam a vida não se esquecem. O profeta vê a glória de Deus: “Vi o Senhor sentado num trono de grande altura; o seu manto estendia-se pelo templo”. Ele faz uma experiência forte de Deus, da sua grandeza, da sua santidade. Os serafins exclamavam: “santo, santo, santo é o Senhor Deus dos exércitos; toda a terra está repleta da sua glória”.
A santidade quer dizer separação, que Deus é o totalmente Outro, mas que é ligado ao seu povo por um pacto de amizade e fidelidade. Diante da santidade de Deus, Isaías percebe a sua fragilidade, o seu pecado. Ele é um homem de lábios impuros, ele viu a Deus com seus olhos. Tem os lábios purificados. O profeta é o homem da palavra. Ouve a voz do Senhor: “Quem enviarei, quem irá por nós?”. Ao que Isaías responde: “Aqui estou! Envia-me”. É o chamado de Deus e a liberdade de Isaías que se encontram. Os dois protagonistas da vocação se encontram: Deus que chama, que abre o diálogo, e o homem que se coloca com coragem diante da missão.
A experiência de Deus muda a vida, a existência. Não há segmento autêntico sem uma forte experiência de Deus e do seu amor. Experiência que se vive numa liturgia bem participada, na leitura e meditação da Palavra de Deus, num momento forte de oração, num retiro espiritual, numa experiência forte de caridade, etc.
Também o Evangelho nos coloca diante da vocação dos primeiros discípulos (Lc 5,1-11). Jesus estava nas margens do lago de Genesaré. A multidão se apertava para ouvir a Palavra de Deus. Jesus é a Palavra de Deus que alimenta a fome da multidão. Ele, pedagogicamente, ensina a multidão da barca de Simão. Terminando de falar, convida Simão a lançar as redes em águas mais profundas. Simão objeta que tinham pescado a noite inteira e não tinham apanhado nada, mas lança as redes em atenção à palavra de Jesus. Apanham tamanha quantidade de peixe que as redes se rompem. Simão faz a experiência do mistério da pessoa de Jesus. Faz a experiência de que a palavra de Jesus se realiza. Ao mesmo tempo, como Isaías, percebe a sua incapacidade, o seu pecado: “Senhor, afasta-te de mim porque sou um pecador”. É a limitação do homem diante da grandeza de Jesus. Mas, também aqui, o chamado de Jesus e a liberdade de Simão e dos outros se cruzam. Eles vencem o medo, deixam tudo e seguem Jesus.
A vocação, o verdadeiro segmento de Jesus, não se dá sem uma experiência forte de Jesus Cristo e do seu amor. Que a experiência do amor de Deus possa realizar em nossas vidas o que fez com Isaías, com Simão e com os outros discípulos.