Estamos celebrando a festa da dedicação da Basílica do Latrão. Essa basílica, que é a catedral da Diocese de Roma, relembra a nossa comunhão com a Igreja de Roma na qual é bispo o nosso amado Papa Leão XIV. Na primeira leitura, o profeta Ezequiel (Ez 47, 1-2.8-9.12) tem uma grandiosa visão, vê brotar do templo uma torrente de água que engrossa incontrolavelmente sem receber aporte de nenhum afluente, que produz vida por onde passa. Essa imagem mostra a fecundidade do templo. Trata-se de uma água “saneadora”. Claramente é um símbolo para significar o dom da vida que o Senhor dará aos repatriados. Mas que não se esgota simplesmente nesse dom da vida — essa fecundidade se visibilizará em Jesus Cristo, verdadeiro templo.
Jesus, no templo de Jerusalém, cumpre um gesto emblemático. Como devemos interpretar esse gesto de Jesus? “Antes de tudo deve-se observar que Ele não provocou repressão alguma dos detentores da ordem pública, porque foi visto como uma típica ação profética: de fato, os profetas, em nome de Deus, denunciavam com frequência abusos, e por vezes faziam-no com gestos simbólicos. O problema, no máximo, era a sua autoridade. Eis por que os Judeus perguntam a Jesus: ‘Que sinal nos apresentas para justificares o Teu proceder?’ (Jo 2, 18), demonstra-nos que ages deveras em nome de Deus.
“A expulsão dos comerciantes do templo foi interpretada também do ponto de vista político-revolucionário, colocando Jesus na linha do movimento dos zelotas. Eles eram, precisamente, ‘zelosos’ da lei de Deus e dispostos a usar a violência para a fazer respeitar. Na época de Jesus aguardavam um Messias que libertasse Israel do domínio dos Romanos. Mas Jesus desiludiu esta expectativa, a tal ponto que alguns discípulos o abandonaram e Judas Iscariotes até o atraiçoou. Na realidade, é impossível interpretar Jesus como violento: a violência é contrária ao Reino de Deus, é um instrumento do anticristo. A violência nunca está ao serviço da humanidade, mas desumaniza-a.
“Ouçamos então as palavras que Jesus disse, fazendo aquele gesto: ‘Tirai tudo isto daqui e não façais da casa de Meu Pai uma feira’. E os discípulos então recordaram-se de que está escrito num Salmo: ‘O zelo pela tua casa me devora’ (69, 10). Este salmo é uma invocação de ajuda numa situação de extremo perigo por causa do ódio dos inimigos: a situação que Jesus viverá na sua paixão: o seu zelo pelo amor que paga pessoalmente, não aquele que pretenderia servir Deus mediante a violência. Com efeito, o ‘sinal’ que Jesus dará como prova da sua autoridade será precisamente a sua morte e ressurreição. ‘Destruí este templo — disse — e edificá-lo-ei em três dias’. E são João escreve: ‘Ele falava do templo do seu corpo’ (Jo 2, 20-21). Com a Páscoa de Jesus começa um novo culto, o culto do amor, e um novo templo que é Ele mesmo, Cristo ressuscitado, mediante o qual cada crente pode adorar Deus Pai ‘em espírito e verdade’ (Jo 4, 23)” (Bento XVI, Angelus de 11 de março de 2012).
Que, celebrando a Basílica do Latrão, símbolo da Igreja, morada de Deus entre os homens, vivamos como templos do Espírito Santo e cresçamos em consciência de que, também nós, somos a Igreja viva, morada de Deus entre os homens.
Cardeal Paulo Cezar Costa
Arcebispo de Brasília